Idade Média?

“Idade Média”, ”História Medieval” ou “Medievo” são referências a um período da história europeia, compreendido entre os séculos V e XV. Transição da Antiguidade para a Modernidade.
A Idade Média foi um período de intensas transformações. Há um novo sistema econômico, baseado no campo, o feudalismo, que não se aplicara de forma igual em todos os lugares; divisões religiosas, presentes dentro da Igreja Católica e no Islamismo; revoltas camponesas que objetivaram melhores condições de vida; intensas disputas por poder, por ascensão hierárquica; guerras por questões religiosas e econômicas e tantos outros fatores, por vezes ocultos por um saber estereotipado do período, restrito à cegueira mística do domínio religioso ou ao encantamento inventivo da sociedade cavalheiresca, seus castelos, lendas e maravilhas.
Na sociedade contemporânea, há uma grande valorização desse período, sobretudo na indústria cinematográfica. A presença de filmes com essa temática é a cada dia mais comum. E junto com esta “febre de Idade Média” em Hollywood, nascem algumas questões: Em que medida esses filmes nos ajudam a compreender a história medieval? Como devemos assisti-los? De forma passiva, como puro entretenimento? Certamente não. Ou, pelo contrário, como críticos intolerantes, cobrando-lhes a precisão dos textos acadêmicos? Tampouco. Talvez mais do que buscar fidelidade absoluta à historiografia, possamos encontrar nestes filmes faíscas para um debate em sala de aula: que imperfeições merecem ser problematizadas? Quais imagens ajudam a melhor assimilar lógicas distantes de um passado longínquo? Como transcender uma interpretação exclusivamente narrativa dos filmes para ir ao encontro de indícios de sua produção, relacionados, portanto, ao presente em que foram feitos, o que os torna não mais uma forma de historiografia, mas documentos, fontes para uma história do tempo presente.
Conhecer a “Idade Média dos dias de hoje” – a ideia que dela se faz atualmente – é um desafio que pode ser vencido através de um contato mais efetivo com a filmografia que a cerca. Mais do que conhecer as dinâmicas daquele período distante que demarca o nascimento do Ocidente, é preciso questionar também os usos do passado que cercam o “momento medieval” na contemporaneidade.
Por Professor Marcelo Robson Téo,
Lucas Kammer Orsi,
Lucas Santos

Robin Hood: Prince of Thieves (1991)

Ficha técnica
Filme: Robin Hood: Prince of Thieves (1991)
Diretor: Kevin Reynolds
Roteiro: Pen Densham e John Watson
País: EUA
Idioma original: inglês
Duração: 145 min.
Gênero: aventura


Sobre o diretor
Kevin Hall Reynolds (1952) é um diretor e roteirista estadunidense conhecido por criar longas-metragens inspirados em obras literárias épicas, como é o caso de O Conde de Monte Cristo, Waterworld e Robin Hood, este último, causou grande sucesso no início dos anos 1990. Nascido no Texas é formado em direito pela Universidade Baylor e em cinema pela USC School of Cinema-Television.

Sobre a lenda medieval que inspirou o filme
              Diversos historiadores procuraram vestígios que comprovasse o verdadeiro indivíduo Robin Hood, porém, esses estudos mostram que esse nome era mais um arquétipo, ou seja, um modelo que era usado para descrever comportamento criminal de pessoas que roubavam.
              Já na literatura, Robin Hood, possuí centenas de aparições. Seus vestígios aparecem em 1377, no poema Piers Plowman, de William Langland, e em 1450 em Robin Hood and the Monk ("Robin Hood e o monge”).

“O primeiro registro impresso preservado data de 1475: a coleção de histórias The Adventures of Robyn Hode (‘As aventuras de Robyn Hode’), que delineia seu comportamento heroico. Nas contas das crônicas medievais, da tradição oral e escrita, o bando do arqueiro tinha um efetivo de 20 a 140 homens, com destaque para João Pequeno [...] e o frei Tuck [...]” [1].

              Em suas aparições do século XVI, Robin aparece como sendo um nobre defensor do rei Ricardo Coração de Leão (que reinou entre 1189 e 1199), quando seu irmão João quer usurpar o trono inglês, durante sua ausência devido a Terceira Cruzada (1190). Hood torna-se um fora da lei por lutar contra os altos impostos cobrados, visto na imagem do xerife de Nottingham. No século XVII o herói ganha novos motivos para lutar, principalmente contra o poder da Igreja Católica, devido ao contexto histórico da pós-Reforma.
              Apenas no século XVIII a personagem de Lady Marion entra na narrativa como sendo a amante do arqueiro. Seu contorno patriótico é posto no século XIX, um homem forte e que luta pelos direitos do seu povo. Como é atualmente lembrado, sendo esse grande herói que “rouba dos ricos para dar aos pobres” e que aparece frequentemente tanto na literatura quanto nos filmes e séries.

Proposta didática
Pode-se fazer uma análise crítica dos meios literários e dos midiáticos que retratam o personagem Robin Hood. Cada época representou de formas diferentes esse indivíduo, incorporou novas características, novos personagens e novos inimigos. É interessante pensarmos o porquê dessas alterações, qual o contexto da produção dessas obras e qual arquétipo desejam passar para o público.
Sendo assim, o docente pode selecionar várias versões da história de Robin Hood, desde filmes e séries até livros de literatura, desenhos e quadrinhos, e apresenta-los aos estudantes e iniciar um exercício de análise entre as formas de retratar o personagem. Quais são suas principais caraterísticas? Em qual época está sendo retratado? Quais são os demais personagens que estão sendo retratados? Ele é algum tipo de “herói”? Luta contra alguém ou algum sistema? Estas são algumas, entre outras perguntas que podem ser desenvolvidas, sempre indagando o porquê daquele determinado autor construir o protagonista daquele modo.
Com essa atividade pode-se incentivar os discentes a continuarem com esse exercício de contestação frente aos demais meios midiáticos. Fazendo perguntas a obra e buscando descobrir qual o contexto da produção, assim como a finalidade do filme e para qual público é dirigido.
  
Resumo do filme
              O contexto que se passa o filme é a última década do século XII, quando o rei Ricardo I parte para a Terceira Cruzada em direção a Jerusalém, onde inicia o filme com Robin de Locksley (Kevin Costner) preso junto com outros guerreiros e mouros. Graças sua habilidade consegue escapar levando consigo Azeem (Morgan Freeman), um mouro que jurou pagar uma dívida por salvar sua vida, e juntos conseguem chegar a Nottingham. Lá descobrem que Lord Locksley, pai de Robin, foi assassinado pelo grupo liderado pelo xerife (Alan Rickman), o qual tinha um plano para usurpar o trono da Inglaterra. Tendo um desentendimento com o primo do xerife, Guy de Gisborne, por salvar o pequeno Wulf (Daniel Newman), é considerado um fora da lei, e vai em direção da floresta de Sherwood em busca de abrigo. Se encontrando com o grupo liderado por John Little, prova sua coragem e faz amizade com esses “homens da floresta”.
              Após isso, o filme apresenta a crescente popularidade do personagem, como qual nos é posta atualmente, como aquele homem que “rouba dos ricos para dar aos pobres”, lutando contra os altos impostos e a exploração dos colonos. Enraivecido o xerife de Nottingham, coloca sua cabeça a prêmio e tenta assassinar Robin várias vezes, principalmente quando este descobre seu plano de destronar o rei Ricardo, Coração de Leão (Sean Connery). Até que finalmente consegue articular um ataque com sucesso ao esconderijo de Hood, capturando alguns homens e o menino Wulf, e sequestrando Lady Marion (Mary Elizabeth Mastrantonio) para forçá-la a se casar com ele e gerar um filho legítimo, já que Marion era prima do rei.
              O ápice do filme é a batalha para salvar esses amigos capturados e a amada de Robin Hood. Montando todo um esquema para entrar no castelo e havendo muitas batalhas e discursos inspiradores, Robin juntamente com seu fiel amigo Azeem conseguem salvar Marion e matar o xerife. A história termina em festa com o casamento de Robin Hood e Lady Marion na floresta de Sherwood.
Análise
            Apesar da trama já esperada, Kevin Reynolds incorpora alguns personagens que não condizem com a lenda[2], como o meio irmão de Robin, Will e a uma bruxa, que seria a mãe do xerife, ambos os personagens são revelados no final do filme de modo inesperado, dando um pouco mais de emoção a narrativa. Além disso, o diretor é coerente em relação ao cenário, a floresta de Sherwood, as construções, o espaço físico em geral, e se preocupa também com o figurino ambientado da época medieval.
            Uma análise muito interessante que podemos fazer é sobre a presença da Igreja Católica, já no início do filme onde o pai de Robin contesta o porquê de realizar as cruzadas, impor a força uma religião a outros grupos. Outro fato é a autenticação de um filho legítimo apenas com o casamente efetivo, mostrado até de forma meio cômica no final da histórica, quando o xerife quer se casar com Lady Marion e após isso estuprá-la para conceber um filho herdeiro.
            Outro ponto que merece destaque é a tentativa por parte de Reynolds em quebrar com estereótipos acerca do Islã. Em muitas cenas o diretor procura mostrar Azeem, o mouro, como sendo detentor de tecnologias, como a luneta, onde ironicamente o estrangeiro pergunta “como seu povo ignorante tomou Jerusalém?”, ao perceber que o protagonista ficou assustado com o objeto; juntamente com o domínio do parto por cesariana. Traz também na narrativa um pouco da religião islâmica, como os momentos de orações e da recusa à bebida alcoólica, entre outras características que desmistificam essa cultura, fazendo comparações com a Igreja Católica. Sendo assim, um dos principais pontos do diretor é quebrar com essa ideia de “selvagem”, modo como são apresentados os mouros durante as Cruzadas.
              Agora retornando a coerência com a lenda, o personagem Robin Hood é visto como o autêntico herói: homem, forte, atencioso, humilde, que junto com seu carisma e sua paixão procura salvar todos, e com coragem enfrenta todos os desafios. Esse estereótipo de “homem do bem” é muito presente tanto nas lendas a partir do final do século XVIII, como nos filmes, nos desenhos e nas obras literárias. Na parte dos “maus”, se encontram o arqui-inimigo de Robin, o Xerife de Nottingham, porém no filme de 1991, a verdadeira mente do mal é a chamada bruxa, a mãe do xerife, que é quem bola todo o trama para usurpar o trono da Inglaterra, deixando seu filho mais como um “peão” do plano. Essa separação entre o bem e o mal é muito evidente na narrativa, corrente nos filmes hollywoodianos.
              De forma geral, o filme apresenta muitas características que coincidem com a época do final do século XII e início do XIII, como a Terceira Cruzada comandada por Ricardo I, momento em que se passa a narrativa e também nos demais aspectos físicos, como os já contemplados anteriormente. Porém não devemos deixar de criticar a mentalidade dos personagens, referente aos ideais de heróis de séculos posteriores. Como apresentado por Roberto Sinqueira,

“Kevin Reynolds até apresenta cenas interessantes, [...] mas infelizmente o longa não passa de uma diversão sem compromisso. Talvez Reynolds tivesse a melhor das intenções ao juntar um ótimo elenco para contar a lendária história de Robin Hood. Mas, nas palavras de Azeem, ‘não existem homens perfeitos, somente intenções perfeitas’” [3].

              O filme conseguiu fazer muito sucesso ao ser lançado e conquistou o Grammy Awards na categoria “Best Song Written Specifically for a Motion Picture or Television” em 1992, com a trilha sonora de Bryan Adams, “(Everything I Do) I Do It for You", além de fazer referências coerentes com a época medieval, apresentando os problemas como a fome e a pobreza e o imaginário sobre os mouros. Contanto, não se preocupa em se basear em fatos históricos concretos.
              As diferentes percepções sobre a figura de Robin Hood ajudam a compreender como cada época pensou as relações entre a lei e a exclusão social. Além disso, a adição e mudança de certos personagens revelam o contexto de cada período e o local em que foram produzidos, assim como os problemas, as necessidades e os desejos desses indivíduos. Desse modo, deve-se analisar não o personagem em si, mas o que ele representa para aquela determinada sociedade.

Por Talita Garcia Ferreira
Aluna do curso de História FAED – UDESC
Turma de História Medieval 2013/2




[1] (DUARTE, Fernando, Em busca de Robin Hood, in Aventuras na História, 2010).  Disponível em http://guiadoestudante.abril.com.br/aventuras-historia/busca-robin-hood-565163.shtml.
[2] Existem diversas lendas sobre o personagem de Robin Hood, a maioria delas segue uma narrativa central que consistem em um homem que rouba dos ricos para dar aos pobres, sendo acompanhado por dois fiéis amigos.
[3] (SINQUEIRA, Roberto, Robin Hood: Prince of Thieves, in Cinema e Debate, 2010). Disponível em http://cinemaedebate.com/2010/12/23/robin-hood-%E2%80%93-o-principe-dos-ladroes-1991/