Idade Média?

“Idade Média”, ”História Medieval” ou “Medievo” são referências a um período da história europeia, compreendido entre os séculos V e XV. Transição da Antiguidade para a Modernidade.
A Idade Média foi um período de intensas transformações. Há um novo sistema econômico, baseado no campo, o feudalismo, que não se aplicara de forma igual em todos os lugares; divisões religiosas, presentes dentro da Igreja Católica e no Islamismo; revoltas camponesas que objetivaram melhores condições de vida; intensas disputas por poder, por ascensão hierárquica; guerras por questões religiosas e econômicas e tantos outros fatores, por vezes ocultos por um saber estereotipado do período, restrito à cegueira mística do domínio religioso ou ao encantamento inventivo da sociedade cavalheiresca, seus castelos, lendas e maravilhas.
Na sociedade contemporânea, há uma grande valorização desse período, sobretudo na indústria cinematográfica. A presença de filmes com essa temática é a cada dia mais comum. E junto com esta “febre de Idade Média” em Hollywood, nascem algumas questões: Em que medida esses filmes nos ajudam a compreender a história medieval? Como devemos assisti-los? De forma passiva, como puro entretenimento? Certamente não. Ou, pelo contrário, como críticos intolerantes, cobrando-lhes a precisão dos textos acadêmicos? Tampouco. Talvez mais do que buscar fidelidade absoluta à historiografia, possamos encontrar nestes filmes faíscas para um debate em sala de aula: que imperfeições merecem ser problematizadas? Quais imagens ajudam a melhor assimilar lógicas distantes de um passado longínquo? Como transcender uma interpretação exclusivamente narrativa dos filmes para ir ao encontro de indícios de sua produção, relacionados, portanto, ao presente em que foram feitos, o que os torna não mais uma forma de historiografia, mas documentos, fontes para uma história do tempo presente.
Conhecer a “Idade Média dos dias de hoje” – a ideia que dela se faz atualmente – é um desafio que pode ser vencido através de um contato mais efetivo com a filmografia que a cerca. Mais do que conhecer as dinâmicas daquele período distante que demarca o nascimento do Ocidente, é preciso questionar também os usos do passado que cercam o “momento medieval” na contemporaneidade.
Por Professor Marcelo Robson Téo,
Lucas Kammer Orsi,
Lucas Santos

Alexander Nevsky (1938)


Filme: Alexander Nevsky (1938).
Diretor: Serguei Eisenstein e DmitriVasilyev (diretor adjunto, colocado pelo governo)
Fotografia: Eduard Tisse (fiel companheiro de Eisenstein).
Trilha Sonora: Serguei Prokofiev.

País: URSS (Rússia).
Idioma original: Russo.
Duração: 111 minutos (oficial), 108 minutos de filme.
Gênero: Drama Histórico.



Sobre o diretor:


             “Não é surpreendente,
(...) que a natureza afirmativa
de Eisenstein o tenha levado
para a esfera do cinema”.

Vinicius de Moraes.

                Serguei Eisenstein (1898 – 1948), foi um diretor e teórico de cinema. Ganhou fama mundial pelo seu estilo vanguardista experimental, pioneiro nas superproduções soviéticas da época, portanto revolucionário para a história do cinema, trazendo junto a seu estilo experimental técnicas até então não exploradas pela arte cinematográfica. Em “Outubro” (1928), retrata através da revolução bolchevique de 1917 o espírito revolucionário de sua geração. Seu filme mais aclamado pela crítica e público, e também sua mais influente produção é “O Encouraçado Potemkin”,produzido em 1925 para comemorar os vinte anos do levante ocorrido na cidade de Odessa contra o Czar Nicolau II, a prévia da revolução russa.

            Eisenstein estudou engenharia e arquitetura, a primeira era a profissão de seu pai, que mais tarde fez parte do exército branco. Junto a seus colegas da época decidiu fazer parte do exército revolucionário vermelho, o que o distanciou de seu pai, que, após a revolução, foi para a Alemanha. Sua mãe já havia anos antes partidos para França. Dentro do exército, conseguiu prestigio após usar de sua criatividade artística para produzir filmes pró-revolução, como “A Greve” (1924). Eisenstein era comunista, mas em variados momentos se mostrou em posição crítica em relação ao governo stalinista.
Filmografia (Como diretor e roteirista):

1923 Diário de Glumov (curta)
1925 A Greve
1925 O Encouraçado Potemkin
1927 Outubro: Dez Dias que abalaram o mundo
1929 A Linha Geral ou "OldAnd New"
1930: Romance sentimental (França)
1932¡Que viva México! lançado em 1979
1937 Bezhin Prado
1938 Alexander Nevsky
1944 Ivan o terrível, parte I
1945 Ivan O Terrível, Parte II

Sobre a lenda medieval que inspirou o filme:

             A dois pontos principais que interagem de forma essencial dentro da historiografia retratada no filme, que são, a lenda de Alexandre Nevsky(1220–1263), príncipe russo,  quarto da linhagem real portando dificilmente seria rei, mas o povo de Novgorod convoca Alexandre para ser o líder militar contra a invasão dos suecos, no entrave militar que ficou conhecido como Batalha de Neva(1240). As tropas russas vencem a batalha em menor número e Alexandre ganha prestígio, tornando-se príncipe de Novgorod. Ganha a alcunha de “Nevsky”, devido a Neva (Rio onde ocorreu a batalha com os suecos).  Considerado santo posteriormente pela igreja ortodoxa (e devido ao movimento ecumênico também se tronou santo católico), liderou a pátria russa durante certo período da baixa Idade Média, preservando o caráter ortodoxo da religião cristã em território russo.
            Herói do povo de Novgorod, Nevsky desperta inimizade dos aristocratas da região (os chamados boiardos, grandes latifundiários e principais legisladores do Principado de Kiev), isso resulta no abandono de Alexandre para outras terras. Porém com a possível invasão dos Cavaleiros Teutônicos germânicos, o povo de Novgorod clama pela volta de Alexandre. Pouco mais de um ano de seu exílio ele retorna para derrotar os Cavaleiros Teutônicos. Livra o povo russo da expansão católica, revolucionando as táticas de guerrilha, derrotando cavaleiros bem protegidos e montados através de sofisticadas táticas de sitiamento. Alexandre Nevsky se torna uma lenda nacional, o principal “herói” da Idade Média russa.

Resenha do filme:
            Após a invasão mongol (retratada logo no início do filme, onde um representante mongol oferece um cargo de liderança dentro da “Horda Dourada” a Alexandre, e ele o recusa), e a batalha contra a invasão ao norte dos suecos, Alexandre Nevsky se exila com um grupo de ex-militares. A invasão de Pskov pelos Cavaleiros Teutônicos Germânicos estava em curso. Esses pretendiam espalhar o poder territorial e expansão do cristianismo católico, marchando rumo a Novgorod, porém a população da cidade clama pela volta de Alexandre Nevsky, e que ele lidere as tropas russas em uma batalha contra os germânicos.
            Eisenstein, que já havia dirigido filmes de configuração nacionalista, como “Outubro”, estava acostumado a enfatizar o orgulho socialista russo. Porém seus filmes até então retratavam histórias de um passado muito próximo e com relações diretas com a realidade contemporânea da época (não que os ocorridos por Nevsky não tinham, e tenham importância hoje). Eisenstein nessa obra novamente pretendia fazer um ponto com o contemporâneo (possíveis invasões do território russo por alemães nazistas liderados por Hitler), mas de forma diferente, resgatando outro conflito entre os antepassados desses mesmos dois povos, Russo (agora socialistas soviéticos), e germânicos (agora nazi-fascistas).
           Nesse filme percebe-se uma diferença no trabalho de Eisenstein, menos experimental e vanguardista e mais romântico, ocidental, convencional (partindo do ponto também ocidental de cinema ligado a lógica de mercado comercial). O diretor destaca a imagem do herói russo, Nevsky, o exemplo a ser seguido pelo povo soviético, exemplo de resistência e vitória, aspecto bastante utilizado pelo cinema estadunidense.
            Para quebrar o clima de ligação ofensiva direta com os conflitos contemporâneos, Eisenstein traz ao seu filme o romance, dois cidadãos de Novgorod, que ganham importante patente durante a batalha, lutam pelo coração da donzela amada, porém apenas um dos citados termina o filme como par romântico dela, enquanto o outro inicia uma relação com uma quarta personagem, que havia perdido seu pai após a invasão teutônica, e decide com bravura lutar entre o exército composto por homens.
            É interessante destacar três pontos fora do eixo narrativo central do filme. Primeiro a forma como Eisenstein relacionou o cristianismo ortodoxo com sua perspectiva de estado soviético laico contemporâneo, são raras às vezes, dentro do filme, em que se relaciona o cristianismo (de qualquer natureza) com a imagem de Alexandre Nevsky, ou dos combatentes russos. A não ser no final do filme, antes do discurso final de Nevsky, e as comemorações da vitória, nesse momento surgem à imagem do crucifixo, e de uma tradição oratória cristã, mas de forma bem passageira e com pouco destaque.
            O segundo ponto, em oposição ao primeiro, diz respeito à imagem dos cavaleiros Teutônicos passada ao espectador. Todas as cenas que fazem referenciam ao lado germânico, o aspecto católico é retratado com contundência e de forma bastante obscura e maléfica, com uma perspectiva de filmagem mais lenta e centralizada na famosa cruz dos cavaleiros das cruzadas.
            E por fim o aspecto sonoro do filme, destacando o trabalho de Serguei Prokofiev, um dos maiores compositores da era soviética. O filme segue com poucas falas, e as tomadas que reverenciam a paisagem são longas. Prokofiev faz um trabalho sonoro incrível, em todos os momentos que não há fala no filme passa ao espectador  a sensação idealizada para cada cena, agindo de forma conjunta com a imagem. Na primeira aparição dos germânicos a trilha traz um aspecto de horror constante, nas aparições de Nevsky, um som mais sereno e tranqüilo. Na guerra o som é constante, o que traz o aspecto de rapidez aos acontecimentos.
            Após acordo assinado entre a URSS e a Alemanha Nazista em 1939(Pacto Ribbentrop-Molotov), o filme é tirado de circulação, por ameaçar o clima de paz entre essas nações. Mas volta às prateleiras e à circulação mundial de forma ainda mais ferrenha, após a invasão nazista ao território soviético em 1941.
            Nevsky entra para a história ao derrotar o exército Teutônico, estabelecendo a paz e a interna ortodoxia cristã nacional. Na invasão nazista de 1941, o objetivo alemão de chegar a Moscou não é alcançado, mesmo que a Alemanha por hora tenha dominado a Ucrânia, importante parte econômica soviética. O resultado foi à vitória das tropas vermelhas soviéticas, havendo, portanto, certa correlação histórica, no que diz respeito ao nacionalismo russo e o ideal socialista, os objetivos de resistência da segunda batalha retratada, e os objetivos do filme de Eisenstein.
            É um ótimo filme para se trabalhar em sala a temática medieval, ligada as guerras santas, assim como uma temática mais atual, trançando um paralelo entre a lenda de Nevsky e as turbulências políticas soviéticas no século XX, assim como propôs ao idealizar o filme o próprio Eisenstein. Utilizar a ficção histórica como fonte de pesquisa acadêmica necessita sempre do exercício de problematizar duas temporalidades: aquela da qual trata o filme e a que o filme foi realizado.
 
Por Gabriel Medeiros
Aluno do curso de História FAED - UDESC
Turma de 2013/1